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"œA OAB agora é independente", afirma Chico Lucas

O advogado garante que não tem mais a intenção de disputar futuras eleições da OAB e afirma que falta despreendimento aos políticos brasileiros

24/12/2018 08:27

Três anos após assumir o comando da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí, o advogado Chico Lucas vai entregar, em janeiro, a presidência da entidade para Celso Barros Neto, que fazia parte da atual gestão, como conselheiro federal, mas decidiu abandonar o grupo para lançar uma chapa sob sua liderança. 

Em entrevista ao jornal O DIA, Chico Lucas afirma que, após o processo eleitoral da Ordem, não restaram arestas entre os dois, que são colegas de trabalho (ambos são procuradores do Estado do Piauí). E diz que está, inclusive, disposto a colaborar com a nova gestão, caso seu apoio seja solicitado. 

O advogado garante que não tem mais a intenção de disputar futuras eleições da OAB, e afirma que falta desprendimento aos políticos brasileiros. Na entrevista exclusiva, Chico Lucas também afirmou que “soa como um aceno ao fim da democracia” a ideia de convocar uma Assembleia Constituinte para elaborar uma nova Constituição Federal, proposta que, durante a campanha presidencial deste ano, foi defendida por membros das equipes dos dois candidatos que passaram para o segundo turno – Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL).

Quais principais ações o Senhor destaca na sua gestão? 
A principal foi pleitear, junto ao Judiciário, a implantação dos dois turnos, uma conquista histórica, já que nós tínhamos um Judiciário que só funcionava em um turno. Isso veio graças à mobilização, a um trabalho contínuo e também graças à consciência dos desembargadores, capitaneados pelo desembargador Erivan Lopes, presidente da Corte, e pelo desembargador Ricardo Gentil, corregedor-geral. Era necessário repensar o Judiciário piauiense. Além disso, nós ampliamos o trabalho das comissões, no sentido de ter uma interlocução mais forte com a sociedade, nas mais diversas ações. Ampliamos o Caapi Transfer, e ampliamos o OAB Office, nossos escritórios compartilhados, que são estruturas para aqueles advogados que não têm condições de ter um escritório. Já são nove no Piauí. Esses serviços permitiram para aqueles que têm dificuldade de se inserirem no mercado de trabalho uma oportunidade de conseguir ampliar as suas possibilidades sem desembolsar recursos que não são possíveis no começo da profissão.

O Senhor acredita que a união de duas chapas às vésperas do pleito interferiu no processo eleitoral? 
Com certeza interferiu. Inclusive, algumas questões foram levantadas, mas faz parte do processo democrático. Eu recebi muito bem, recebi de maneira muito tranquila. O Celso [Barros Neto] será um grande presidente, e ele também fazia parte da nossa gestão, como conselheiro federal. A maior parte da chapa do Celso era da nossa gestão. Pode ter havido uma falta de experiência política para ter congregado interesses, mas, querendo ou não, as duas chapas que lideraram a disputa foram chapas que saíram desse trabalho que foi iniciado há três anos. Então, o trabalho anterior, que durou nove anos, precisou, para participar de alguma maneira, desistir da disputa. Isso pra mim é um sinal de que a nossa gestão foi exitosa. Sinal de que a advocacia comprou a ideia do nosso trabalho. Portanto, acho que houve uma derrota eleitoral, mas não uma derrota da gestão.

Então, não ficaram arestas entre o seu grupo e o do presidente Celso Barros Neto? 
Não, não. As escolhas políticas fazem parte, mas a gente tem que ser maduro. Eleição é assim. Minha relação com o Celso é muito respeitosa. Na verdade, na campanha ele foi muito respeitoso e eu também. Nós temos uma relação que dura alguns anos já, trabalhamos no mesmo local, e, da minha parte e da dele, o que eu tenho visto é que vai haver sempre esse bom relacionamento. Eu não participei da eleição como candidato. Participei como cabo eleitoral. Não tenho mais a intenção de disputar eleições na Ordem. A minha ideia é realmente me afastar como gestor, como político, mas como advogado vou estar sempre do lado da nossa instituição e da advocacia, e se ele precisar do meu apoio terá integralmente, independente das questões eleitorais, porque somos todos advogados e precisamos fortalecer a nossa classe.

A que o Senhor atribui a derrota da sua chapa? 
A uma série de fatores. Mas devo citar o mérito do Celso, que conseguiu fazer uma união, conseguiu capitanear um grupo forte. Então, eu dou os louros a ele, que venceu a eleição por méritos próprios e hoje vai ser líder da advocacia e líder da nossa instituição. Ele foi o grande vencedor dessa eleição.

Alguns opositores seus diziam que na sua gestão a OAB-PI permaneceu muito alinhada ao Governo do Estado, e que teria, inclusive, sido omissa ao não denunciar algumas questões, por conta dessa suposta ligação. Como o Senhor responde a essa crítica? 
Olha, essa crítica é totalmente absurda. Primeiro, eu não tenho filiação político-partidária. Segundo, a OAB nunca foi omissa em nenhum assunto. Em todos os assuntos de todas as pautas relevantes nós nos posicionamos. Temos várias ações contra o Governo do Estado. Por exemplo, nós movemos uma ação civil pública no caso do Plamta/Iapep [suspensão dos atendimentos por conta do atraso nos repasses para hospitais, clínicas e profissionais conveniados]. Com as comissões, nós já estamos há anos lutando contra a violência obstétrica e atuando na questão da Maternidade Dona Evangelina Rosa. Agora, num pleito eleitoral, as pessoas acabam levantando essas acusações. Mas em nenhum minuto nós fomos omissos. Inclusive, essa crítica não é concreta. Ela não apresenta um ponto onde nós falhamos. Então, eu vejo como uma crítica que foi feita num momento eleitoral. Mas de minha parte e da gestão nós temos consciência de que em nenhum assunto relevante para o estado nós fomos omissos. Eu poderia até ser filiado a qualquer partido. Ninguém pode criminalizar isso. Mas não sou filiado, não tenho vinculação político-eleitoral com nenhum partido. Agi como presidente de Ordem, com autonomia em relação ao governo, mas também agi com autonomia em relação à oposição. A OAB não pode nem servir de esteio de gestão nem pode servir de cavalo-de-batalha de oposição. Nós fomos serenos, parcimoniosos e agimos dentro daquilo que a advocacia e os nossos valores exigiram.

A transparência da instituição avançou na sua gestão? 
Sim. Nós implantamos o portal da transparência, em que todos os pagamentos, todas as receitas e todas as despesas estão lá explanados com a razão social das empresas que estão recebendo os valores. Então, eu acho que transparência foi uma marca da nossa gestão. Inclusive, as pessoas discutem a insolvência da Ordem, que é uma realidade, por conta da renúncia da taxa da OAB, que nós fizemos. Como é que eles tiveram acesso a essa informação? Através do portal da transparência.

Por falar em insolvência, a que o Senhor atribui as dificuldades financeiras por que passa a instituição? 
De fato, a OAB passa por dificuldades. É uma questão estrutural. O Celso vai ter a mesma dificuldade. Nós somos um estado pobre, temos um índice de inadimplência alta, nossa anuidade é uma das mais baratas do Brasil e nós temos uma gama de serviços oferecidos aos advogados. O valor da anuidade não é suficiente para pagar esses serviços. Nós compensávamos isso com as taxas que eram recolhidas em cima das custas judiciais. Essa taxa, entretanto, era ilegal. Nós, como guardiães da Constituição e da legalidade, agimos em conformidade com aquilo que defendemos e que juramos defender. Renunciar à taxa da OAB trouxe prejuízos administrativos sim, mas trouxe independência, autonomia e não me arrependo. Eu acho que a gestão não deve se arrepender de ter tomado essa postura correta. Sofri a crise de abstinência ao abrir mão desses valores, mas saio com a instituição mais fortalecida, por ter tido a coragem de fazê-lo.

Como o Senhor avalia a relação da OAB com o Poder Judiciário no Piauí. Ela melhorou durante sua gestão? 
A OAB agora é independente. Antes, havia uma subserviência por conta dessa taxa. Era uma taxa que era recolhida em cima das custas, e os gestores anteriores agiam muito para mantê-la e, principalmente, às vezes pleiteando demandas pessoais. A nossa gestão teve uma relação de autonomia. Essa relação de autonomia envolve a necessária crítica quando as coisas não estão sendo conduzidas de maneira correta, mas também o elogio quando o trabalho é bem feito. E nesse caso eu teço elogios à gestão do desembargador Erivan, que foi muito boa. Ele revolucionou o sistema de Justiça. Os resultados vão ser sentidos ao longo dos anos, mas todas as ações dele foram no sentido de otimizar o Judiciário. Então, a gestão do tribunal hoje é uma gestão que respeita a Ordem, porque a OAB teve coragem de ser independente. E, ao mesmo tempo, [o tribunal] sabe que a OAB foi uma parceira todas as vezes em que houve a necessidade da posição da Ordem. Ela contribuiu para um sistema de Justiça mais efetivo, mais pleno e célere.

O seu nome foi cotado para disputar algum cargo eletivo nas eleições deste ano. O que o motivou a não se candidatar? 
Nunca tive a pretensão de disputar nenhuma eleição durante esses três anos. Fiz uma promessa e honrei minha palavra.

O Senhor fala que não pensou em ser candidato durante sua gestão, que está no fim. E nos próximos pleitos, pensa em se candidatar? 
O futuro a Deus pertence. Eu não sei o que vai acontecer. Mas no momento não. No momento eu penso em me dedicar a minha família e a projetos pessoais. Agora, eu nunca cogitei. Isso tudo foi especulação, até porque quando eu pedi voto disse que iria honrar meu mandato. E fui o primeiro presidente da Seccional Piauí a não ser candidato na eleição subsequente – nem a reeleição nem ao Conselho Federal. Mostrando que eu não tenho e não tive nenhum apego ao poder. Esse desprendimento tem que ser a pauta de todos os políticos que pensem numa política nova, sem esse apego. Tanto é que apoiei um candidato, mas estou aqui totalmente desprendido e irei apoiar as ações do nosso presidente Celso Barros Neto que vierem a fortalecer a advocacia.

Há convites de partidos para que o Senhor se filie? 
Surgiram alguns convites, mas nada de concreto. Foram convites e especulações, mas, como não havia intenção de minha parte, nada de concreto foi feito.

Nas últimas eleições presidenciais, pessoas ligadas aos dois candidatos que foram para o segundo turno chegaram a defender mudanças drásticas na Constituição Federal, inclusive por meio da convocação de uma nova Assembleia Constituinte. Como o Senhor observa essa proposta e qual a importância da OAB nesse contexto político? 
A força da Ordem vem da sua voz. Ela representa os advogados, mas representa também a sociedade civil. Nossa posição é no sentido de que nós temos uma Constituição jovem, que ainda está passando por um processo de efetivação, e toda fala no sentido de mudá-la para nós soa como um aceno ao arbítrio, um aceno ao fim da democracia. Portanto, somos veementemente contra qualquer proposta de convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte. A nossa Constituição já foi construída fundada em valores como direitos humanos, democracia e dignidade da pessoa humana. Portanto, ela não precisa de uma mudança mais profunda. Lógico que ajustes foram feitos e estão sendo feitos através de emendas constitucionais. Mas qualquer ruptura, para nós, é uma ação antidemocrática.

Fonte: Jornal O DIA
Por: Cícero Portela
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